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Vacina universal contra as gripes

10/08/2012

Vacina universal contra as gripes

Focados em uma área do vírus Influenza que não sofre mutações, pesquisadores dos EUA desenvolvem um tipo de imunização capaz de funcionar para todos os tipos da doença, incluindo as mais graves, como a suína 

Todos os anos, espalham-se pelo mundo campanhas de vacinação contra gripes sazonais, dessas que aparecem normalmente no inverno. Isso ocorre porque o vírus responsável pela doença, o Influenza B, sofre com frequência várias mutações em sua estrutura, o que impossibilita a fabricação de uma vacina que funcione por um longo período. O Influenza B não está sozinho. Há o Influenza A, também com grande capacidade de mutação e responsável por epidemias mais sérias, como a gripe aviária (H5N1) e a suína (H1N1). Um estudo desenvolvido na Universidade da Califórnia (EUA) apresentou uma descoberta que pode mudar a forma de imunização contra esses agentes infecciosos. Os pesquisadores trabalham com a possibilidade de desenvolvimento de uma vacina universal, capaz de proteger contra as duas formas do vírus da gripe e sem a necessidade de vacinação a cada ano.

O estudo foi publicado na revista Science de hoje e, segundo Ian Wilson, um dos autores da pesquisa, é a primeira vez que um grupo de cientistas consegue descobrir e caracterizar anticorpos amplamente neutralizantes para o Influenza B. "Um desses anticorpos, o CR9114, também se liga ao vírus Influenza A e mostra que existe uma região comum de vulnerabilidade tanto da gripe A quanto da B, o que pode ser o alvo para o desenho de uma vacina mais universal", explica Wilson. O grande ponto da pesquisa está na caracterização de três anticorpos humanos capazes de atacar uma parte do vírus menos mutável. Por isso, são eficientes mesmo quando o vírus sofre mudanças de um ano para o outro.

Essa área mais estável, segundo os pesquisadores, é o epitopo da hemoaglutinina (HA), uma glicoproteína que se situa na camada mais externa do vírus, o envelope. A HA é a responsável pelo reconhecimento e pela ligação do vírus da gripe às células do sistema respiratório humano. Em sua cabeça, a ponta extrema de sua estrutura, encontram-se os epitopos, a menor porção de antígeno com potencial de gerar resposta imune no organismo. Após diversos testes, Wilson conta que sua equipe de pesquisa conseguiu isolar os anticorpos capazes de reconhecer os epitopos conservados - que não sofreram alteração - em ambos os tipos de vírus. A partir daí, eles conseguiram fazer com que, em camundongos infectados, tais anticorpos se ligassem à essa região da hemoaglutinina, a neutralizasse e encerrasse, assim, o ciclo de transmissão viral nas células.

Para chegar a tais resultados, foram coletadas células sanguíneas de pacientes voluntários previamente imunizados por meio de vacinas contra a gripe. Os pesquisadores combinaram, in vitro, os anticorpos dos voluntários e conseguiram obter os genes que codificam os anticorpos circulantes desses pacientes. Em seguida, foi realizado um procedimento para selecionar aqueles que se ligavam a diferentes tipos de hemoaglutinina, as proteínas que mais sofrem as mutações virais. Como foram utilizadas diferentes formas de HA, tal estratégia possibilitou a identificação de anticorpos que reconhecessem todas as suas formas, além do já ressaltado ponto do epitopo. Após o reconhecimento dos três anticorpos, os pesquisadores realizaram testes em camundongos infectados e obtiveram resultados positivos. Nos experimentos, os anticorpos evitaram a reprodução do vírus em cobaias contaminadas, pois atacaram a região estável da HA. O teste clínico em humanos, entretanto, ainda não foi realizado.

De acordo com Andréa Maranhão, professora do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB), apesar do importante avanço, o estudo ainda levará alguns anos para confirmar se, de fato, o conceito é adequado para a imunização da população. "Falta ainda criar esses pedaços da hemoaglutinina e fazer os testes de imunização com eles, mostrando que há a proteção. Isso significa que falta mostrar que esses epitopos, além de neutralizantes, são imunogênicos, ou seja, podem levar à formação de anticorpos quando utilizados na formulação vacinal."

Há pouco tempo, outra equipe de pesquisadores já havia descoberto e caracterizado os anticorpos neutralizantes de um amplo espectro do vírus da Influenza A. Entretanto, até o momento, pouca atenção era dada aos vírus tipo B. Isso porque, por serem restritos aos seres humanos, não há animais de grande porte que agem enquanto reservatórios virais. Dessa forma, o risco de emergência de pandemias, assim como as causadas pela Influenza A, é menor no casos de gripes que têm o homem enquanto único reservatório do vírus. Entretanto, embora a morbidade e a mortalidade atribuíveis ao vírus da Influenza B sejam mais baixas do que as do vírus H3N2 (subtipo da da Influenza A), elas são mais elevadas do que as causadas pelo vírus H1N1. Dessa forma, os dados não deixam dúvida do grau de importância dos estudos voltados para o aperfeiçoamento das formas de tratamento e para a prevenção contra as gripes sazonais.

Dificuldades
Atualmente, as vacinas produzidas ao redor do mundo são eficazes apenas contra estirpes virais específicas com base nos subtipos que mais circularam no ano anterior. Isso, entretanto, muda também de acordo com cada local. Jarbas Barbosa, atual Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, explica que os subtipos dos vírus que circulam no Hesmisfério Sul são diferentes dos presentes no Hemisfério Norte. "A partir desses resultados, são escolhidos três subtipos que serão utilizados para a fabricação da nova vacina. Mas isso é uma aposta, porque, no próximo ano, os tipos de maior circulação podem ser diferentes". Barbosa explica que é por isso que tem alguns anos que as vacinas não funcionam tão bem quanto em outros.

O secretário complementa que outra dificuldade encontrada diz respeito à limitação da quantidade de produção das vacinas. A metodologia utilizada atualmente é por meio do cultivo do vírus em ovos embrionados de galinhas. Entretanto, enquanto a população mundial chega a 7 bilhões de pessoas, há um limite de cerca de 800 milhões de doses por ano. Pensando que as vacinas são diferentes para cada hemisfério, o quadro se complica ainda mais. "Caso o estudo se comprove, será um avanço importante, porque a vacina pode ser a mesma para todo o mundo, além de não precisar ser modificada a cada temporada." Para ele, a pesquisa traz uma boa notícia, mas ainda tem um caminho longo a percorrer até que seja confirmado e se torne realidade enquanto método de prevenção mundial contra a gripe.

Apesar do ponto revolucionário do novo estudo, que é trabalhar justamente com a variabilidade do vírus, Ricardo Martins, médico do Hospital Universitário da UnB (HUB) reforça que, antes de criar expectativas, é necessário fazer os testes clínicos. "Eles tiveram sucesso no teste com animais, mas você pode ter reações imunológicas no homem, o desenvolvimento do quadro de intolerância. Por isso, tem que ir passo a passo", defende Martins.

De acordo com Wilson, o próximo passo da pesquisa será o de continuar a procurar outros anticorpos que tenham essas mesmas propriedades neutralizantes benéficas e caracterizá-los para ver se existem outros locais de vulnerabilidade. O objetivo final e principal dos pesquisadores é o desenvolvimento de uma vacina que imunize o mundo contra o vírus Influenza. "O vírus da gripe continuará a evoluir e a mudar a cada ano. Entretanto, algumas áreas que desempenham a função primordial de introduzi-lo nas células saudáveis permanecem constantes. São essas regiões que gostaríamos de atingir com uma vacinauniversal contra a gripe",conclui.

"O vírus da gripe continuará a evoluir e a mudar a cada ano. Entretanto, algumas áreas que desempenham a função primordial de introduzi-lo nas células saudáveis permanecem constantes.
São essas regiões que gostaríamos de atingir com uma vacina universal contra a gripe"
Ian Wilson, pesquisador

Fonte: Correio Braziliense

Imagem: Dialogospoliticos.wordpress.com