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Qualificar é preciso
19/08/2012
Qualificar é preciso
A falta de habilidades dos trabalhadores afeta a competitividade das empresas. Especialistas afirmam que a educação infantil é a base para garantir emprego no futuro
Antes de concluir o ensino médio na rede pública de educação, Francisco Leonardo Mota, 25 anos, começou a perceber que precisaria buscar alternativas de qualificação para garantir uma boa posição no mercado de trabalho. "Mesmo cursando o segundo ano, eu ainda não tinha perspectiva nenhuma de vida. Nunca tinha parado para pensar no que eu faria dali em diante", relata. O aprendizado que teve na escola não o ajudou a decidir qual carreira seguir nem o preparou para a inserção num ambiente profissional. "Eu conhecia as matérias, sempre gostei muito estudar, mas não sabia qual era o fundamento delas, não sabia aonde elas iriam me direcionar", completa.
A saída que Francisco encontrou foi se concentrar em uma área de atuação: a informática. Ainda no terceiro ano do ensino médio, foi selecionado para uma disciplina técnica de dois anos numa escola pública. Depois disso, fez pelo menos sete workshops on-line ou presenciais. "Eles foram essenciais na seleção do meu currículo e, profissionalmente, também me ajudaram bastante", conta.
Morador de Ceilândia e caçula de oito irmãos, paga com esforço a mensalidade do curso de análise de sistemas, porém, alcançou a tão esperada colocação no setor do mercado que escolheu. Hoje, o jovem faz estágio na área de tecnologia da informação. A última reportagem da série Apagão de mão de obra traz a grande defasagem que existe entre a escola e o mercado de trabalho.
Pesquisa divulgada este mês pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), que ouviu 137 empresas brasileiras, comprova o problema na formação escolar dos jovens do país. O levantamento mostrou que em 95% delas os contratantes acreditam que o sistema educacional não está adequado às oportunidades do momento econômico pelo qual o Brasil passa.
O superintendente-geral da FNQ, Jairo Martins, explica que a pesquisa constatou que a falta de qualificação dos trabalhadores está afetando a competitividade das organizações. Segundo Martins, eles entram no mercado com falhas graves nas formações básica e universitária, e as iniciativas do governo são pouco eficazes. "Não adianta criar uma série de incentivos e programas de estímulo à entrada na universidade se as pessoas não chegam à academia preparadas para absorver os conhecimentos", adverte.
Efeito cascata
Para a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, as falhas na formação básica dos brasileiros podem ser percebidas mais tarde, quando eles chegam ao ensino superior e ao ambiente profissional. "Podemos dizer, sem medo de errar, que uma boa empregabilidade começa na educação infantil", garante.
Funciona como um efeito cascata: essa etapa do ensino vai preparar o estudante para a alfabetização, de onde ele seguirá para o restante dos ensinos fundamental e médio e poderá ter um aproveitamento pleno na educação superior. "O que temos visto no Brasil é quase o contrário disso. Não temos dado conta de garantir a aprendizagem na educação básica", lamenta Priscila. O resultado é que, segundo ela, universidades públicas e particulares estão incluindo um semestre no currículo para oferecer reforço escolar com o conteúdo que deveria ter sido obtido na educação básica.
"Eu acho que a escola não motiva o aluno a escolher uma profissão, pois a gente só aprende as matérias básicas", critica a auxiliar de produção Hyara Morais, 26 anos. Ela considera que não teve a preparação necessária para decidir com clareza a profissão a seguir. Após concluir o ensino médio, em 2003, entrou para a faculdade de administração, mas não conseguiu arcar com a mensalidade e deixou o curso após o terceiro semestre. Chegou a fazer, ainda, cursos técnicos de radiologia e secretariado. Agora, trabalha numa área totalmente diferente: a de guarda de arquivos.
Hyara reclama da falta de oportunidades gratuitas de qualificação. Tentou aproveitar aquelas oferecidas pelo governo, mas não conseguiu comprovar a baixa renda. "Eu precisava da ajuda, pois nós éramos três filhas e não tínhamos casa própria. Enfrentei esse impasse e acho que foi o que mais me prejudicou."
Para o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, os problemas que o sistema educacional brasileiro enfrenta contribuem para a reprodução da pobreza. Ele ressalta que, do ponto de vista da cidadania, quando se nega o direito de acesso à educação gratuita a toda a população, criam-se barreiras para que os cidadãos desenvolvam habilidades. Em consequência, os jovens não conseguem atender às demandas do mercado.
"Um dos nosso gargalos estruturais na economia é justamente preparar os trabalhadores para o crescimento da produtividade", afirma Ganz Lúcio, membro também do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Os resultados do último relatório do conselho indicam que o país tem um nível baixo de escolaridade, considerando o tempo médio de estudos em comparação com o de outros países. "Falta um sistema único nacional de educação, que integre essas questões e faça do ensino uma prioridade", conclui.
Falta evolução
Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2011, divulgados na última quinta-feira, indicam que o nível do ensino médio, diferentemente das outras etapas, não superou a meta projetada para o período (3,7). O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, atribui a estabilidade ao currículo - com 13 disciplinas obrigatórias -, que não permite um foco na vida profissional. Segundo ele, está nos planos do ministério reformular a estrutura dessa etapa do ensino.
"É um problema com muitas faces. É preciso identificar quais tipos de profissional o mercado tem carência e fazer a tradução do que deve ser feito no universo das escolas e do ensino superior"
Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Fonte: Correio Braziliense
Imagem: Samuelpedroescritor.blogspot.com