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O caminho é longo

28/07/2012

O caminho é longo

O circuito internacional de universidades é praticamente todo de língua inglesa, e universidades que trabalham em outras línguas têm muito pouca visibilidade internacional
Simon Schwartzman * 

As universidades brasileiras não estão nada bem nos rankings internacionais que aferem as principais instituições de ensino superior do mundo. O sociólogo Simon Schwartzman aponta as causas dessa incômoda situação e indica os caminhos a serem seguidos. As soluções por ele apontadas, diga-se de passagem, não são nada simples.

Existem várias instituições que elaboram listas das melhores universidades do mundo, sendo as mais famosas as do Times Higher Education (www.timeshighereducation.co.uk) e o da Universidade Jiaotong, de Shangai, China (www.shanghairanking.com). Os critérios não são os mesmos, e podem ser criticados de muitas maneiras, mas os resultados são parecidos: o topo é ocupado por universidades americanas e algumas europeias, aparecem algumas poucas asiáticas, e as poucas da América Latina aparecem na posição próxima de duzentos, quando aparecem - Universidade de São Paulo (USP); Nacional do México; Nacional de Buenos Aires e, entre as brasileiras, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na última avaliação do Times Higher Education, apareceram somente três universidades latino-americanas: a USP, na posição 178; a Unicamp, no grupo de 276 a 300; e a Universidade Católica do Chile, no grupo entre as posições 351 e 400. A USP também apareceu na posição 61-70 em termos de reputação, o que é um resultado bastante razoável, mas que não ajudou muito na avaliação final.

Uma das explicações para isso é que conta muito, nestas avaliações, a existência de pesquisa de alta qualidade e, inclusive, o número de professores com Prêmio Nobel, que na América Latina não existem, mas que são 79 na Universidade de Columbia, 88 na Universidade de Cambridge, 87 na Universidade de Chicago, 54 na Universidade de Stanford, 46 na Universidade de Harvard e 47 na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Por mais que o Brasil tenha desenvolvido a pesquisa e a pós-graduação nos últimos tempos, formando mais de 10 mil doutores por ano e aumentando o número de publicações científicas, a pesquisa desenvolvida no país ainda não chegou ao nível de excelência destas universidades de alto padrão. Ainda que a legislação brasileira diga que todas as universidades devem desenvolver ensino e pesquisa de forma "indissolúvel", na verdade a pesquisa universitária está concentrada em umas poucas universidades, que são justamente as que aparecem, ainda que não muito bem, nos rankings internacionais.

A outra explicação é que, hoje, o circuito internacional de universidades e centros de pesquisa é praticamente todo de língua inglesa, e universidades que trabalham em outras línguas, mesmo o francês ou alemão, têm muito pouca visibilidade internacional. Seria possível argumentar que isso mostra uma tendenciosidade desses rankings, que estariam penalizando injustamente os países que não de língua inglesa. Ocorre, no entanto, que não existem circuitos de comunicação internacionais na área de ciência e tecnologia em outras línguas, como havia antigamente com o alemão e o francês. Adotando o inglês, as universidades têm mais facilidade para atrair professores e estudantes de todo o mundo, de estabelecer vínculos de trabalho com outras instituições e aumentar sua visibilidade. Na própria Alemanha e França, cada vez mais, as universidades e centros de pesquisa mais avançados adotam o inglês como sua língua de trabalho. Hoje, no Brasil, os principais pesquisadores já publicam predominantemente em inglês, mas o inglês ainda não é adotado em cursos e professores estrangeiros que não sabem português têm dificuldade ou não conseguem se informar sobre o que ocorre no Brasil.

A terceira explicação, finalmente, é que de fato poucos departamentos e cursos universitários no Brasil têm os padrões de qualidade que caracterizam as melhores universidades do mundo, independentemente da pesquisa que fazem. O sistema de avaliação existente, do Ministério da Educação, trabalha com rankings, mas sem padrões definidos de qualidade, o que tem servido para identificar as piores instituições, que, se são privadas, podem ser punidas com a suspensão das matrículas e até mesmo com o fechamento. Mas não há casos conhecidos de punição ou fechamento de instituições públicas e, o que é mais importante, o Ministério da Educação não tem como dizer, por exemplo, que eu posso sem riscos me tratar com um médico formado por uma faculdade que tem um conceito 3 no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que avalia o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em todo o país.

Será que o Brasil deveria fazer um esforço para melhorar sua presença internacional? Nenhum paísconsegue colocar todas suas universidades em níveis de excelência internacional, nem precisa. A educação superior, que no passado era dedicada a uma pequena elite, é hoje um sistema massificado, que, em muitos países, já inclui a grande maioria dos jovens, e alcança também a população adulta que quer continuar estudando. A grande maioria destas pessoas busca uma educação genérica que aumente sua cultura e lhes dê melhores horizontes para se inserir na vida adulta e profissional, ou uma formação específica que as qualifique para uma profissão bem definida. Para atender a esta população, não são necessárias instituições de grande intensidade de pesquisa e padrão internacional, mas, simplesmente, instituições sérias e competentes no que fazem, sejam elas públicas ou privadas.

Ao mesmo tempo, países que querem participar de forma ativa do mundo da pesquisa e do conhecimento de alto nível procuram fazer com que pelo menos algumas de suas universidades cheguem a este patamar. A receita para isso é conhecida, mas não é fácil implementar. Primeiro, deve haver um trabalho de identificar quais universidades poderiam chegar a esse nível e investir pesadamente nelas. Segundo, essas universidades devem ter políticas estritas de qualidade na seleção de seus professores e alunos, sem concessões. Terceiro, elas precisam ter autonomia e flexibilidade administrativa e financeira para atrair recursos e poder contratar talentos em qualquer parte do mundo, pagando salários competitivos e dando apoio de qualidade para equipamentos, laboratórios, etc. Quarto, precisam adotar o uso da língua inglesa pelo menos em igualdade de condições do que a língua nativa em cursos, publicações, exames, etc. Quinto, elas precisam estabelecer laços de cooperação muito mais fortes com o setor produtivo e com as instituições de política pública, combinando a excelência da pesquisa acadêmica com a relevância da pesquisa aplicada, e recebendo recursos provenientes destas formas de cooperação.

Dinheiro é um problema, mas não o mais importante. No estado de São Paulo, a legislação que dá às três universidades estaduais cerca de 10% do ICMS está criando uma situação de excesso de recursos, que as universidades não sabem bem como utilizar; e o governo federal recentemente aumentou em vários bilhões de reais os recursos para as universidades federais, sobretudo através do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Além disso, as universidades poderiam cobrar anuidades dos alunos, que pagariam e receberiam recursos por convênios e acordos de cooperação técnica com governos e empresas privadas.

O principal problema é aceitar a ideia de que as universidades são diferentes e precisam ser tratadas de formas diferentes. Países como a Alemanha e a França estão fazendo um esforço importante de identificar estas universidades de ponta e fortalecer sua excelência, mas, no Brasil, prevalece a noção de que todas as universidades são iguais. O segundo problema é que, mesmo com recursos, as universidades precisam ter autonomia para contratar professores e pesquisadores por valores competitivos no mercado internacional, o que vai contra o princípio da isonomia; precisam poder afastar os professores e funcionários de baixo desempenho, o que vai contra as normas de estabilidade do serviço público; e, finalmente, precisam ter condições de receber recursos, cobrar mensalidades e administrar seus fundos como fazem as empresas mais eficientes, o que também contraria as práticas usuais das repartições públicas.

Em síntese, existe uma clara incompatibilidade entre o regime de serviço público e de isonomia de nossas universidades públicas e os requisitos necessários para termos universidades de classe internacional. O paradoxo brasileiro é que, se por um lado, não conseguimos atingir este padrão, por outro também não admitimos que a principal função da grande maioria das universidades deveria ser o ensino de qualidade, e que, para isso, elas não precisam fingir que fazem pesquisa, com todos os custos que isso traz. À medida que o sistema de ensino superior se expande, ele passa a incluir cada vez mais estudantes que tiveram uma formação secundária precária, que não têm como seguir as carreiras acadêmicas dos cursos tradicionais, mas precisam, isto sim, de um novo tipo de educação mais adequado às suas possibilidades e necessidades, em termos de conteúdo e métodos educativos. O Brasil necessita, na ponta, ter universidades que se aproximem ao máximo dos padrões internacionais e, na base, um amplo sistema educativo que atenda à crescente população estudantil. São coisas muito diferentes, que não podem ser vestidas e atendidas com o mesmo modelo.

* Simon Schwartzman é sociólogo e Ph.D em ciência política pela Universidade da Califórnia, em Berkeley. Entre 1994 e 1998 foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, realizou um estudo para o Escritório da Unesco na América Latina sobre o futuro da educação na América Latina e no Caribe. Em 2006 e 2007, coordenou um estudo sobre universidade e desenvolvimento na América Latina. Atualmente, é presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (Iets)

Fonte: Correio Braziliense

Imagem: Blogdovq.blogspot.com